Sunday, March 20, 2011

Com o Poderoso Chefão III, você não casa bem...



Houve primeiro o estouro nos cinemas - "Fizeram uma continuação para o Poderoso Chefão!". Muita empolgação e confetes. Mais tarde, o consenso de que a terceira parte não honrava os dois primeiros filmes. Você precisava falar mal do filme, e pronto. Agora, há discórdia. Várias vozes que se levantam para dizer que o filme é subestimado e que merecia uma melhor crítica.

Acho que o filme realmente é muito inferior. Não apenas inferior aos primeiros (que são ótimo cinema), mas acho que é um filme ruim. Se os personagens tivessem outros nomes e trocassem grande parte do elenco, o filme continuaria ruim. Vou explicar porque.

Enquanto escrevo este post, estamos numa madrugada de domingo para segunda-feira (você também está aqui, enquanto lê) e eu assisti aos dois primeiros filmes com minha namorada, no final de semana. Tivemos ótimos momentos - eu, que já sou meio veterano em Poderoso Chefão, e minha namorada, que assistia os filmes pela primeira vez.

Dizer que sou "meio veterano em Poderoso Chefão" pode soar pedante, ou simplesmente vago. Não quero compartilhar o discurso dos diletantes inflamados que, numa histeria de jogar confete em cima de si mesmos, usam expressões vagas para subentender um conhecimento "indeterminado", geralmente identificado (justamente) por pessoas com mais sensibilidade como "maior do que o conhecimento existente de fato". Vou catalogar.

Era fã dos primeiros filmes quando um amigo me emprestou o livro, que li com grande prazer. Anos depois, encontrei um audiobook, em inglês, com o texto integral do livro. São 6 discos com um trabalho que eu fortemente recomendo para qualquer um que entenda o uso de "fortemente recomendo" - há vários atores fazendo inúmeras vozes - uma para o narrador e outras para cada personagem. É realmente a imersão de cinema, em áudio, com o texto integral e original do livro.

Atualmente estou lendo O Siciliano, do mesmo autor. Talvez pelo gosto um tanto cri-cri para leituras, adquirido com os anos, tenho achado este último má literatura. Mas graças à paciência curiosa, também duramente cultivada com a idade, continuo lendo - o suficiente para me interessar pela trama e me divertir com o livro.

Esse terceiro filme, no entanto, eu só havia visto uma vez. Como os dois primeiros filmes (que assisti pelo menos 3 vezes) contam a história do livro - sendo a história do terceiro filme completamente alienígena (e mesmo incongruente) ao livro, eu realmente não sabia o que esperar quando coloquei o filme pra tocar.

Nem vou entrar na questão do visual do Michael (Al Patino) na primeira cena, por ser um aspecto (provavelmente) pessoal. Mas falemos do Michael, coitado... O Michael não está nesse filme. Você ouve o nome dele, percebe que alguém responde, mas aquele não é o Mikey dos livros e dos primeiros filmes - aquele é o Al Pacino. Os dois são muito diferentes. É claro que o Al Pacino foi o Michael, nos anos 70, mas nesse terceiro filme o Michael é o Al Pacino. A "persona" em que o Al Pacino se transformou durante sua carreira - é essa figura que vemos na tela, e não o envelhecimento do antigo personagem. Insisto que os dois são bem diferentes. Minha namorada, por exemplo, só percebeu que era o Al Pacino, nos primeiros filmes, depois que eu falei - já com uns bons 40 minutos de filme. Nos anos 70, o Al Pacino ainda não era como o Christopher Walken, o Robbin Williams, ou o Jack Black - esses atores que fazem o mesmo papel em todos os filmes. Mas nos anos 90, o personagem "registrado" entra em cena e o Michael se perdeu.


Em Godfather III não há Michael Corleone - há o Al Pacino.
Com o tempo, certos atores desenvolvem a irritante habilidade
de representar exatamente o mesmo personagem em todos os filmes que participam.


Andy Garcia faz o papel de Vincent Mancini - o filho bastardo mais bastardo da história, uma vez que (além da sua condição de bastardo dentro do roteiro) a sua própria existência metaliterária é também bastarda, já que ele não existe no livro e, na verdade, contraria a história do livro (uma vez que Santino, seu "pai", já está morto quando, perguntada se este era o motivo de sua tentativa de suicídio, sua "mãe" declara que não está grávida.

A única explicação pra esse filme é a cocaína. Acho que Hollywood inteira estava cheirada, alucinada, e no meio desse frenesi eles acreditaram que estavam fazendo um bom filme.

A partir daqui, entrarei em detalhes do roteiro que talvez você não tenha vontade de ler - se ainda não viu o filme e se é daquele tipo de pessoal preocupada em não ter informações sobre a história até que esteja assistindo a história - de forma que vou colocar um alerta de spoiler um pouco mais gráfico:

A partir daqui, haverá spoilers.

Com liberdade, agora, para falar abertamente, devo comentar a história ou a forma do filme? Os dois são ruins.

Logo no começo pode-se perceber que a engenharia de som deixa muito a desejar. Diálogos dublados sem qualquer naturalidade. Quando Andy Garcia tenta entrar de penetra na festa - uma das primeiras cenas do filme - ele se envolve numa pequena luta com um segurança. Enquanto eles se agarram, você ouve um "You wanna dance with me?" que obviamente foi inserido em estúdio, sem ruído ambiente e sem qualquer sinal de esforço físico na voz. Esse tipo de coisa amadora e deprimente se repete em outras cenas do filme.

A atuação é patética, em tantos momentos que parece uma novela das 7. A filha do diretor (nepostismo evidente) tem um papel de destaque e nenhuma qualificação para preenchê-lo. A sua personagem, aliás, também é irritante com sua cara de puta esnobe e seus diálogos debilóides de criança. Quer dizer, logo no começo ela se aproxima de Andy Garcia com uma conversa de piranha experimentada, dessas meninas ricas que são independentes e fogosas e conhecedoras dos caminhos do mundo - pra em seguida perguntar ao seu pai notoriamente mafioso se a fundação da família é uma fachada pra operações ilegais. "É verdade, papai? O senhor não está fazendo nada errado?". Quer dizer...

Connie - a irmão desloucada de Michael - agora participa das decisões de família. De alguma forma ela teve que preencher o personagem da mãe de família... O guarda-costas, também promovido pelo simples fato de que o mesmo ator também estava disponível - ganha lugar de destaque na organização. Tudo é resolvido num espírito yuppie-anos-90 que, pra mim, só pode mesmo ser explicado pela fartura de cocaína em Hollywood.

Kay - a antiga esposa de Michael, mãe de seus filhos... Quando Kay primeiro aparece, ela está de perfil e de repente olha pra câmera, à chega de Michael. Quando vi essa cena, achei por um segundo que estava vendo um filme de terror - tanto pela atuação patética e pelo close de novela, quanto pelo rosto terrivelmente assustador que me encarava na tela.

Kay, que propositalmente abortou um filho homem de um siciliano frio, assassino e poderoso - a Kay que deveria ter sido assassinada pelo Michael frio e desumano que encontramos no final da obra original (assassinada como Fredo, assim que as suspeitas fossem afastadas do Padinho), essa Kay agora é cortejada por Michael - no melhor estilo romântico-cinema-anos-90-maduro-descolado que a gente veria numa comédia romântica estrelada por Jack Nicholson e Meryl Streep.

Michael dá conselhos idiotas. "Nunca deixei ninguém saber o que você está pensando". Como assim? Não era pra nunca deixar ninguém FORA DA FAMÍLIA saber o que você está pensando? Numa reunião que envolve apenas as pessoas tomando decisões, como ele pode dar um conselho desses? Ele está sugerindo que todos deveríamos estar mentindo no seio da família? Que todos deveriam ficar calados? Não faz o menor sentido.

Michael diz que sonhava com o dia em que a família fosse completamente legítima - lá onde tudo é puro e perfeito - e que agora se decepciona ao saber que lá em cima é ainda mais sujo... Ha, ha ha... O Michael que chamava Kay de inocente por imaginar que senadores e presidentes não se envolviam com assassinatos... O Michael frio e falso - que dizia a Kay frases obviamente manipuladoras como "Eu descobri que tenho a força para mudar", enquanto se envolvia cada mais vez com a depravação e o crime - esse Michael agora é inocente.

O Michael que vimos numa cena, dizendo que renuncia aos atos do demônio - numa edição intercalada com cenas dos assassinatos que ele planejou - agora tem um profundo senso religioso. De repente ele "sempre quis" sair do crime - contrariando completamente o desfecho dos primeiros filmes.

Agora Andy Garcia vira Don e ninguém reclama. Todo mundo vai beijar sua mão (também, são só uns guarda costas insignificantes e ninguém entende realmente a razão deles ali). Ele passa de de bastardo pra Vincenzo Corleone, e daí direto pra Don Corleone, sem nenhuma explicação.

O Michael conservador que agora se transformou num fashion novaiorquino com lencinho no pescoço, no final vira um um velhinho com roupas de camponês idoso, morrendo numa roça siciliana. Mas é claro que ele mantém o óculos anos-90 que combina tanto com o Al Pacino. Se o Michael virou tamanha puta da moda, eu esperava que pelo menos até sua morte, naquela cena final, ele estaria com um óculos mais 2015.

Resumindo:

Prós: Não contém gordura saturada.

Contras: Má atuação; má produção, ainda que milionária; roteiro feito nas-coxas; caga em cima de uma obra prima do cinema

Conclusão: O filme não é subestimado. É um filme ruim, que não vale seu tempo.

1 comment:

  1. Apenas o primeiro filme a parte do segundo (a história de Don Corleone, interpretado por Robert de Niro). O restante do segundo livro não está no livro, entretanto, o roteiro dos 3 filmes foi feito pela dupla Copola Mario Puzo.

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